Em números absolutos, o volume de meninos e meninas até a adolescência que seguiam sem tratamento para o controle do vírus foi de 800 mil, em 2021, mostrou o relatório.
O índice de crianças com a infecção revela a persistência de um problema já conhecido: a infecção vertical, que ocorre quando a gestante passa o vírus para seu bebê. Trata-se de uma ocorrência controlável quando há o pré-natal adequado e acolhimento da grávida positiva para o vírus, explicam os especialistas.
O relatório tem como foco as desigualdades sociais e econômicas, classificadas como grandes entraves para eliminar a epidemia de HIV e AIDS até 2030 no mundo, uma meta estabelecida pelas Nações Unidas.
“Temos todas as ferramentas para acabar com a epidemia, temos tratamento e meios para prevenção. Podemos seguir esse compromisso de acabar com a epidemia a 2030, mas sempre que se reduz o orçamento de medicamentos porque temos outras prioridades, perdemos esse caminho. É triste porque é (uma meta) possível. Podemos ser um país, o Brasil, que pode acabar (com o avanço do doença). A única barreira que nos impede são as desigualdades”, disse Claudia Velasquez, diretora e representante do UNAIDS no País.
Em relação às crianças, a especialista informa que no Brasil a situação é melhor controlada, com algumas cidades conseguindo praticamente eliminar a possibilidade que uma mãe infectada passe o vírus para seu bebê.
“Ainda existe a transmissão vertical, mas não é tão crítico (como no mundo). Em geral, temos tratamento disponível. Há algumas pessoas que apresentam resistência às linhas de tratamento disponíveis, por isso é importante o investimento em ciência”, diz a representante do UNAIDS.
De acordo com Claudia, 17% dos pacientes que foram identificados com o vírus, no Brasil, não aderem ao tratamento. Parte até chega a iniciá-lo mas não permanece em acompanhamento constante — o que permite que esses indivíduos sigam disseminando a infecção. Quando estende-se a lupa aos que não buscaram o diagnóstico, estima-se que 27% dos brasileiros que tiveram contato com o vírus não estão sob os cuidados necessários.
Masculinidade tóxica
Um dos principais destaques da pesquisa é um levantamento que em regiões com alta incidência de HIV. Nesses locais, as mulheres submetidas à violência por parte de seu parceiro enfrentam uma chance 50% maior de ser infectadas pelo HIV. Em 33 países, de 2015 a 2021, apenas 41% das mulheres casadas, com idades entre 15 e 24 anos, podiam tomar suas próprias decisões sobre saúde sexual.
A amostragem diz respeito às regiões da África Subsaariana e outros países com entraves econômicos e sociais, caso do Haiti, Filipinas e Albânia. Claudia Velasquez, porém, diz que a violência de gênero é também um tema sensível ao Brasil e que afeta ao enfrentamento à doença.
O documento ainda aponta que meninas da África Subsaariana são três vezes mais propensas a contrair o vírus HIV do que seus parceiros do sexo masculino. Outra pesquisa, também citada pelo levantamento, mostra que mulheres com histórico de violência doméstica têm o triplo de chance de também ter contato com o vírus que pode causar a Aids.
O relatório ainda ressalta que as meninas que permanecem na escola até a conclusão do ensino médio têm reduzida em até 50% sua vulnerabilidade à infecção pelo HIV.
No Brasil, relatórios mais antigos mostram que as desigualdades seguem em aceleração. No começo do ano, o UNAIDS mostrou que entre 2010 e 2020, as mortes de negros por HIV aumentaram 10,6% enquanto os óbitos de brancos caíram 10,6%. A detecção de novos casos também seguiu taxa semelhante, a proporção de casos entre negros aumentaram 12,9% enquanto em brancos reduziu 9,8%.
Tratamento
Não há cura para a infecção do vírus HIV, mas a ciência apresenta excelentes respostas para o controle da sua disseminação e ação no organismo. Impedindo, inclusive, que pessoas que testaram positivo para a doença não sigam contaminando outras — desde que sigam rigorosamente o tratamento, que consiste em tomar medicamentos diários (em geral duas pílulas bem toleradas pelo organismo) e que realizem exames sistemáticos para averiguar sua carga viral.
“Ainda vivemos uma luta contra a fake news, que traz duvidas às pessoas. A pessoa que vive com HIV é como qualquer outra pessoa. É importante que existam campanhas de informação que é uma doença que precisa de tratamento e que esse acesso à saúde é um direito”, finaliza Claudia.